Faleceu nesta quinta-feira (1º), aos 83 anos, a cantora Nana Caymmi, considerada uma das intérpretes mais potentes e emocionais da música popular brasileira. A artista estava internada há cerca de nove meses na Clínica São José, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, em tratamento contra um quadro de saúde fragilizado por uma arritmia cardíaca e, mais recentemente, por uma overdose de opioides, segundo informou seu irmão, o músico Danilo Caymmi.

Origens musicais e primeiros passos
Nascida Dinahir Tostes Caymmi em 29 de abril de 1941, no Rio de Janeiro, Nana era a filha primogênita do lendário compositor Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris. Cresceu em um ambiente profundamente musical ao lado dos irmãos Dori e Danilo, que também se tornaram músicos reconhecidos nacional e internacionalmente.
Sua estreia na música aconteceu de forma quase acidental: aos 19 anos, gravou “Acalanto”, composta por seu pai em sua homenagem, substituindo a mãe, que ficou nervosa antes da gravação. A canção viria a se tornar um clássico infantil brasileiro com os versos “Boi da cara preta / pega essa menina que tem medo de careta”.
Ainda em 1960, lançou seu primeiro compacto solo e logo passou a se apresentar em programas da TV Tupi, incluindo o “A Canção de Nana”, ao lado do irmão Dori.
Vida pessoal e períodos fora do Brasil
Em 1961, Nana interrompeu a carreira artística ao se casar com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem teve duas filhas. Viveu na Venezuela por alguns anos, mas manteve a música presente. Separou-se do marido em 1966 e voltou ao Brasil grávida do filho João Gilberto (nome em homenagem ao músico homônimo), determinada a retomar a carreira artística.
Sucesso nos festivais e relação com Gilberto Gil
Nana conquistou projeção nacional ao vencer o I Festival Internacional da Canção, em 1966, com a música “Saveiros”, de seu irmão Dori Caymmi com Nelson Motta. No ano seguinte, casou-se com Gilberto Gil, com quem compôs e se apresentou em festivais. Participou ativamente da efervescência da Tropicália, mesmo se considerando deslocada ideologicamente. Gravou músicas com Os Mutantes, interpretou Caetano Veloso, e se apresentou em festivais da TV Record.
Apesar da separação rápida com Gil, sua carreira seguiu sólida, com participações em projetos importantes da MPB. Ela afirmou, em 2012:
“Eu vivi a Tropicália de todas as formas, só não a entendia!”.
A consagração nos anos 1970
Nos anos 1970, Nana lançou discos fundamentais para a música brasileira. O álbum “Nana Caymmi” (1975) é considerado um divisor de águas em sua trajetória. Nele, mergulhou no repertório do Clube da Esquina, gravando faixas como “Ponta de Areia” (Milton Nascimento e Fernando Brant), “Beijo Partido” (Toninho Horta) e uma versão definitiva da canção do pai, “Só Louco”.
Essa fase marcou a consolidação de sua identidade musical: profunda, dramática, emocional e tecnicamente sofisticada. Nana passou a trabalhar com grandes pianistas e arranjadores como João Donato, Cesar Camargo Mariano, Wagner Tiso e Cristovão Bastos.
Discografia sólida e premiada
Entre os destaques de sua discografia estão:
- “Voz e Suor” (1983), produzido por Cesar Camargo Mariano, que ela considerava seu melhor álbum.
- “Só Louco” (1989), um tributo ao pai, com arranjos de Wagner Tiso.
- “Resposta ao Tempo” (1998), cujo sucesso rendeu seu primeiro disco de ouro e uma nova geração de admiradores. A faixa-título, composta por Cristovão Bastos e Aldir Blanc, foi tema da minissérie “Hilda Furacão” e se tornou uma das músicas mais associadas à sua voz.
Nos anos 1990, Nana surpreendeu o mercado fonográfico com o álbum “Bolero”, lançado em 1993. Apesar de suas próprias dúvidas sobre o gênero, o disco vendeu quase 100 mil cópias. Em 1994, lançou “A Noite do Meu Bem – As Canções de Dolores Duran”, consolidando-se também como intérprete de boleros e canções clássicas românticas.
Anos recentes e reconhecimento internacional
Mesmo após reduzir as apresentações ao vivo por questões de saúde, Nana seguiu produzindo. Em 2010, teve sua trajetória retratada no documentário “Rio Sonata”, do diretor franco-suíço Georges Gachot.
Nos últimos anos, lançou álbuns homenageando grandes nomes da música:
- “Nana Caymmi canta Tito Madi” (2019), indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de MPB;
- “Nana, Tom, Vinicius” (2021), também indicado ao Grammy Latino como Álbum do Ano.
Uma voz atemporal
Distante dos palcos desde 2016, após cirurgia para remoção de um tumor externo no estômago, Nana nunca se aposentou oficialmente. Em entrevista ao jornal O Globo, em 2021, afirmou:
“Não pisei na bola no meu repertório. Não gravei o que não queria ter gravado. Teria feito tudo igual.”
Mesmo com críticas a posicionamentos políticos que expressou nos últimos anos, Nana continuou sendo celebrada por seu talento inquestionável e por sua honestidade artística.
Legado
Nana Caymmi deixa um legado que atravessa gerações: uma voz única, um repertório sofisticado, e uma presença artística que combinava paixão, sofrimento, beleza e verdade. Sua trajetória está entrelaçada com a própria história da música brasileira como herdeira do legado de Dorival Caymmi e como criadora de uma estética própria, respeitada por músicos, críticos e fãs em todo o país.