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Peça baiana reinventa Shakespeare e põe o público no centro da cena

O que faz de alguém um tirano? Quem sustenta o poder? Essas são algumas das provocações trazidas pelo espetáculo Cúmplices – Transgressões de um Ricardo III, que estreia amanhã em Salvador em curta temporada nos dias 9, 10, 16 e 17 de maio, no Teatro Sesc Senac Pelourinho, às 20h.A peça também vai fazer uma apresentação única e gratuita em Feira de Santana, no dia 24 de maio, às 18h30, no Centro Cultural Sesc. O espetáculo propõe uma experiência interativa com o público, desconstruindo a tragédia de William Shakespeare com uma linguagem contemporânea.Idealizada originalmente pelo diretor espanhol Moncho Rodriguez, a obra ganhou nova vida em 2024 sob direção de João Guisande, que divide a cena com a atriz Fabiana Pirro. O espetáculo é resultado de uma remontagem em homenagem ao próprio Moncho, falecido em 2023, e foi apresentado pela primeira vez no Brasil durante o 30º Festival Janeiro de Grandes Espetáculos, em Recife.“Vivi todo o processo inicial como ator e como observador, e depois trouxe tudo isso para essa nova montagem, com um novo frescor e um olhar renovado, junto com Fabiana Pirro”, conta João Guisande, que integrou a primeira versão do espetáculo em 2021, em Portugal. “Moncho me convocava a cada página escrita, e dali nasceu não só um novo texto, mas também meu desejo de dar vida a Ricardo III. Trazer isso ao Brasil é uma honra e também um desafio criativo enorme”, acrescenta João.A peça parte do clássico shakespeariano Ricardo III, mas não se limita a ele. Cúmplices reinventa o clássico para discutir questões urgentes do presente. Em cena, dois artistas tentam montar a obra, mas logo se veem envolvidos num jogo de manipulação, desejo e poder, tensionando os limites entre personagem e intérprete, entre ficção e realidade.“Esse espetáculo investiga as cumplicidades (explícitas e silenciosas) que constroem essas figuras autoritárias. O que faz de alguém um tirano? Quem sustenta o poder? Esse é o grande lance da peça”, explica Guisande. “Fazemos com que o público também se pergunte: em que momento sou cúmplice dessa estrutura violenta? […] Ricardo III é uma obra que expõe a busca desenfreada por poder – algo muito atual. Vivemos essa tragédia cotidiana todos os dias, não apenas no âmbito político”, destaca Guisande.Para o ator, o texto se faz mais atual ainda com as disputas políticas que têm ocorrido em diversas esferas. “Shakespeare é extremamente atual. Ricardo III é uma tragédia famosa no mundo todo, onde o poder é o tema central. E vivemos isso no Brasil e no mundo todos os dias. Nos últimos anos, temos visto essas figuras violentas, sedutoras e manipuladoras aparecerem no cenário político – e sendo muito louvadas. Sempre aparecem novos ‘salvadores’, tiranos. Ricardo III reflete exatamente isso: o surgimento dessas figuras”.Apesar do tema sério, Fabiana Pirro, colega de palco de Guisande no espetáculo, garante que a peça consegue trazer tudo como bom humor. “É esse teatro da brincadeira. A gente tá falando de um tema super pesado, mas tem humor. Tem uma personagem que chama-se ‘Comediante’ e o humor salva tudo. Então, é a genialidade mesmo de Shakespeare, misturada com a genialidade de Moncho. Acho que é um espetáculo bem bem profundo e bem atual”.O público em cenaGuisande explica que no espetáculo a cumplicidade não é apenas temática, ela também se manifesta na prática, e o público é constantemente convidado a participar da encenação. “O público, em Cúmplices, não é neutro de jeito nenhum. Ele está o tempo todo sendo provocado, convidado a participar, a dizer ‘não’, se quiser. A celebrar a festa do teatro junto conosco”.Essa relação com a plateia ganha ainda mais força com a atuação de Fabiana Pirro, que se desdobra em múltiplas personagens, muitas vezes trocando de figurino. “Cada entrada dela como um novo personagem torna a dramaturgia e a cena cada vez mais frenéticas. Ela traz um corpo, uma voz, uma energia transformadora. Foi um encontro muito potente”, disse o diretor.Assim como João, Fabiana também reforçou a importância que o público ganha na peça. “ Eu acredito muito, cada vez mais, que a quarta parede – que separa os atores da plateia – já caiu faz tempo. Eu gosto do teatro olho no olho, em que o público participa e nessa montagem, o público vem para cena mesmo”.Para a atriz, essa troca é o que permite que cada encenação do espetáculo seja única. “É um grande desafio, é trabalhar com o imprevisto. Não tem jogo ganho, não tem nada tão pronto assim, tudo precisa ser construído juntos: plateia e atores. Em cada cidade, uma plateia diferente, energia diferente, cada pessoa vai reagir de um jeito. Então, a gente é totalmente atravessado mesmo por quem vem para a cena. Isso modifica tudo, isso é uma riqueza” acrescentou.O espetáculo é também uma forma de celebrar o legado do teatro e do Projeto de Integração de Atores do Nordeste (PIANE). “O PIANE foi uma escola para minha carreira. Me sinto muito motivada a colaborar com a criação de um espetáculo como este, que valoriza a celebração do teatro popular brasileiro”, afirma Fabiana.A peça conquistou elogios em diversas cidades e promete uma temporada eletrizante na Bahia. “Minha grande questão foi aceitar o novo que estava sendo trazido. Não ficar preso à montagem anterior. Aceitar o frescor trazido por Fabiana. Entender o ritmo da peça e manter essa crescente até o fim”, conclui Guisande.‘Cúmplices – Transgressões de um Ricardo III’ / Amanhã, sábado (10) e dias 16 e 17 (sexta-feira e sábado), 20h / Teatro Sesc Senac Pelourinho / R$ 20 e R$ 10 / Apresentação em Feira de Santana: dia 24/05 (sexta feira), 18h30 / Centro Cultural Sesc Feira de Santana / Entrada gratuita / Sugestão etária: 14 anos*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

Fonte: atarde.com.br

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