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E deram tempo à princesa?

No Brasil, não sei se por virtude, ou defeito, não somos dados ao enfrentamento e chego quase a dizer que muitos têm (ou tinham) a ele ojeriza. Hoje, em tempos de tanta polarização, vemos o rancor ser pregado, estimulado, incitado e quase ensinado nas seitas políticas faccionais que nos dividem. Mas ainda assim acredito que a maioria silenciosa de nossa população ainda prefira a moderação, enxergando nela as suas vantagens civilizatórias.Hoje, 13 de Maio, celebra-se (ou deveria se celebrar) 137 anos da Lei que extinguiu, formalmente, a escravidão no Brasil. Contudo, muitos ativistas sociais não enxergam nenhum motivo a celebrar nesta data, mas eu, como jurista e afrodescendente, a eles não me alinho, pois entendo que não há como se ignorar um diploma legal que teve o condão de à luz da lei, devolver a condição de humanos a uma multidão tida e havida, como coisa, como objeto. Era esta, a forma como as pessoas escravizadas eram tratadas, fato que modificou-se a treze de maio de 1888. Não se cuida aqui em dizer que a lei Áurea tenha sido uma panaceia, que resolveu todos os problemas dos milhares de escravizados! Mas não há como se negar a importância que teve naquele momento histórico! As pessoas com o mínimo de traquejo histórico talvez compreendam que o desenrolar da história não acontece em uma fração de segundos mas muito ao contrário, gerações na maioria das vezes, transcorrem para que alguns fatos e suas consequências sejam superados!Na história do Brasil observa-se que sempre que estamos caminhando para um avanço modernizador e mais popular, sofremos um corte brusco, que via de regra nos faz retroagir em muitos passos atrás. Assim foi naquele final do Séc. XIX, quando um importante passo foi dado antecedendo um outro avanço que seria ter uma mulher à frente do Império do Brasil. Obviamente os conservadores (sempre eles!) manifestavam-se contrários aos avanços sociais e de costumes, ameaçando com o eterno e abstrato risco da destruição do país e sua economia, ante o fim do regime escravista, seguido pela pelo eminente risco de ter o país governado por uma mulher. Desde então as campanhas misóginas começaram a ser divulgadas e os resquícios dela ainda hoje são percebidos quando se cobra a quem não teve sequer a oportunidade histórica, o fato de não ter dirimido todas as mazelas derivadas da multissecular escravidão no Brasil.O pensamento sexista retardou em pelo menos 122 anos, aquela que seria a consequência sucessória do trono brasileiro. Já se esboçava no horizonte daqueles tempos direitos às mulheres, como ao voto por exemplo, ainda que não a todas, direito este que só veio a ser reconhecido em 1932. Os golpistas da República não só atuaram contra as mulheres e seus direitos, mas também contra os negros recém libertos, suas crenças e manifestações culturais.Se a CLT veio em Socorro dos trabalhadores de uma maneira geral é a uma outra mulher, Dilma Rousseff, que nós devemos, historicamente falando, a deposição da última pá de cal sobre o maldito Instituto da escravidão, ao regulamentar o direito das trabalhadoras domésticas equiparando-as aos demais trabalhadores pátrios. Não à toa, quase com o mesmo intervalo de tempo um outro golpe foi aplicado, desviando o destino do país do rumo do progresso e dos avanços sociais…Não precisamos dicotomicamente ao reconhecer a importância do 13 de maio, preterir o 20 de novembro. Temos a compreensão de que a história não se faz em passes de mágica e compreendamos que muitas lutas antecederam e ensejaram o fim da escravidão no país, mas historicamente faz-se necessário reconhecer a importância que teve Dona Isabel que mesmo advertida de que perderia o trono ao assinar aquela lei, ainda assim o fez, para ver coroada de êxito uma causa que abraçou, ainda que em detrimento da sua própria coroa. Não tenhamos preguiça de pensar, revejamos a história, reconhecendo as laureas a quem as merecer, sejam eles homens ou mulheres, pretos ou brancos, ricos ou pobres. Ponhamos fim à secular campanha de misoginia da qual ainda hoje esta mulher é vítima. Viva 20/11/1695, viva 13/05/1888, viva Zumbi dos Palmares, Viva Isabel de Bragança!*Augusto Albuquerque é advogado, pesquisador da história baiana, associado do IGHB, e foi presidente do Conselho de Cultura de Itaparica.

Fonte: atarde.com.br

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